sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Os Loucos - Crónica O País

Quem circula pelas ruas da nossa capital não pode deixar de notar o incremento de pessoas de ambos os sexos deambulando com ar maltrapilho.
Uns com roupas sujas e desgastadas, outros nus. Há até programas de rádio em que os ouvintes ligam para dizer que “maluco X” ergeu uma espécie de acampamento em paragem “Y” e lá o radialista faz um apelo às autoridades, outros preocupados pela diminuição da temperatura ligam pois de forma inesperada um adulto do sexo masculino tem pernoitado no campo desportivo sem agasalho condigno.
São os loucos meus senhores, que por razões diversas perderam a sanidade e preferem viver numa realidade paralela, comendo o que encontram no lixo, lendo folhas soltas de jornais ou simplesmente ficando prostrados em algum sítio olhando para o vazio.
Aflige-me notar que cada vez mais existem pessoas com perturbações mentais nas ruas e nós simplesmente fingimos não ver, a não ser que o dito cujo suba para uma estátua no Largo das Heroínas sem roupa, mas nessa situação preocupamo-nos em “sacar” dos telemóveis fotografar ou filmar e por a circular nas redes sociais.
Será que o nosso dia-a-dia cheio de percalços e incidentes não fará algum de nós seguir tal caminho? Pois a falta de descanso, a má alimentação e altos níveis de stress podem causar depressões ou até mesmo colapsos nervosos.
Onde estão as instituições governamentais e a sociedade civil que parecem indiferentes a um fenómeno que tem vindo a crescer.
Entre leituras descobri que existe uma diferença entre demência e loucura pois demente é alguém que paulatinamente pode perder capacidades cognitivas, a exemplo da doença de Alzeihmer, enquanto louco é quem perde consciência de si no mundo fazendo coisas que fogem a razão.
Curioso que historicamente a forma como lidamos com a loucura sempre foi uma espécie de negação ou afastamento. No Renascimento estes indivíduos eram colocados em barcos e deixados à deriva em alto mar, no século XVII-XVIII são criados os hospitais onde se aprisionam os loucos com o intuito de os afastar da sociedade com medo de possíveis contágios e só a partir do século XIX é que a loucura passa a ser vista como doença e estudada.
João Frayze-Pereira, no seu livro “O que é loucura?”, traz dados de uma pesquisa que fez com os seus alunos de psicologia sobre o que é a loucura.” A loucura é vista de diversas formas: como perda da consciência-de-si-no-mundo, como uma doença, como um distúrbio orgânico ou desequilíbrio emocional que levam a um desvio de comportamento, como distúrbio emocional cuja origem é o desajustamento social do indivíduo, como desvio comportamental em relação a uma norma socialmente sancionada, como estado de alienação da realidade.”
Porém no campo psiquiátrico, internacionalmente, ainda há muito o que pesquisar e entender já por cá muitos de nós sofremos de preconceito pois isso de recorrer a um psicólogo ou psiquiatra “são coisas dos estrangeiros” é pouco abonatório contar os nossos problemas a quem não nos conhece e nada sabe da nossa vida e vamos andando procurando refúgio no álcool, no tabaco, nas discotecas ou em drogas pois permitem-nos fugir daquilo que não queremos enfrentar.
Há algum tempo atrás soube do caso de um jovem que sofreu um esgotamento nervoso por excesso de trabalho foi levado primeiramente para um hospital teve uma ligeira melhoria mas logo em seguida nova recaída os seus familiares decidiram levá-lo para o Papá Kitoco pois os tratamentos tradicionais resolveriam a situação, foi visitado por amigos, sujo, maltrapilho acorrentado e não dizendo coisa com coisa…. Fez-me lembrar a forma como a loucura era tratada nos séculos XVII-XVIII….

Preferimos fingir que não vemos o senhor que circula pela zona da Rei Katyavala com muitas calças vestidas, a menina com a saia muito curta e com as cuecas na cabeça, ou a “Mais Velha” que deambula com os panos sujos e pede 10 kwanzas. A loucura está entre nós e mesmo que os escondamos ou aprisionemos eles saem à rua mostrando que este é um problema que deve ser resolvido.

2 comentários:

  1. Coucou Beriour,
    ouvi recentemente uma "major rant" sobre este tema na Rádio Mais, no programa da manhã. O Jorge Mangomito Gomes dizia que as pessoas ligavam para lá para dizer onde estava o maluco nu, mas não lhe iam dar agasalho ou de comer.
    Não sou hipocrita: se o visse na rua, nao sei se pararia. Ja vi agressoes quando alguem quer ajudar alguem com algum disturbio mental... ENtao nem sei qual seria a verdadeira solucao: equipas medicas especializadas a circular na cidade para acolher estas pessoas e levar para tratamento no hospital psiquiatrico? Beijos *

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    1. Olá AElitis sabes eu acho que passa também pela sensibilização pois o elevado consumo de álcool e droga o stress diário a que estamos sujeitos vai desestabilizando as pessoas e por norma elas não recorrem a apoio especializado originando situações extremas, é preciso pôr as população a dialogar exprimir as suas angustias quando as coisas ficam acumuladas dão maus resultados. beijinhos

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